O passado fim de semana fui dar um passeio à Gulbenkian, pequeno ninho cultural em plena cidade de Lisboa. Estava um dia de primavera, com sol, onde o vento as flores, os animais e as famílias encontravam-se em perfeita sintonia. Espero ter capturado um pouco desta harmonia nas minhas fotografias
Na passada quinta-feira, dia 5 de Março assisti a um
encontro na livraria Bertrand no qual participaram a artista Ana Vidal, a
jornalista Maria Antónia Palla, Rita Ferro Rodrigues e Miguel Boneville, com
Anabela Mota Ribeiro a moderar, para comemorar a reedição de várias obras da
Simone de Beauvoir em português pela editora Quetzal.
Nunca tive oportunidade de ler alguma coisa desta imponente
figura, apenas sei um pouco sobre a sua relação tormentosa com o filósofo
Sartre graças ao fantástico e inspirador livro sobre mulheres que marcaram uma
posição no mundo; “Historias de mujeres” da fantástica escritora Rosa Montero. Este evento apenas conseguiu
reacender a minha curiosidade por esta personagem e comprei de imediato a
nova edição em português do livro “ O segundo sexo”.
Neste circulo aberto foram discutidos vários pontos muito
importantes, sendo introduzidas perguntas essenciais para a nossa reflexão como
mulheres pensantes e livres, entre elas; “ O que nos torna mulheres?” e “ Existem
diferenças reais entre homens e mulheres ou estas são apenas criações
culturais”. Estas perguntas despertaram emoções fortes, dúvidas e controvérsia
entre todos os presentes.
Mas afinal, o que significa mesmo ser mulher?
Quase no fim, uma rapariga ao meu lado (que era evidente que
tinha uma paixão contagiante pelo tema, notória no brilho do seu olhar e pela sua inquietação) disse
algo que me emocionou; “ Ser mulher significa sentir-se
mulher, e sobretudo decidir sê-lo frente aos outros quando se quiser”. Com esta
frase tão simples mas tão forte, conseguiu incluir na definição de mulher a
todas aquelas pessoas que decidem sê-lo, fazendo uso da sua própria liberdade.
Mesmo os transexuais, que tantas vezes são excluídos e colocados em categorias
diferentes e depreciativas como a sociedade faz sempre que se encontra com uma
potencial ameaça à ordem ilusória predominante.
Ser mulher significa ter a liberdade para decidir sê-lo,
para decidir não aceitar (ou sim) os padrões tradicionais que foram
estabelecidos ao longo da história para nos colar às casas, aos filhos, a falar
baixinho e quanto menos melhor. Essa marca d’água que nos acompanha ao longo
das gerações, embora cada vez de forma mais implícita na cultura (pouca gente
se atreve hoje em dia a admitir abertamente os seus pensamentos machistas,
muitas vezes por nem se aperceberem que o são), é a razão da culpa que sentimos
ao nos impor, ao responder de volta, ao passar por cima de um homem, ao decidir
não ter filhos ou ao não conseguir tê-los. É contra essa culpa que temos de lutar para reivindicar a nossa
liberdade interior.
“ Eu senti-me mulher quando aprendi a dizer que não” disse a
artista Ana Vidigal. Só aprendeu a fazê-lo aos 40 anos. É uma estrada
trabalhosa aquela que leva à liberdade, sobretudo quando se pode tornar um
caminho tão solitário. Uma mulher que se impõe normalmente é catalogada de
imediato pelos homens como sendo “bruta” “masculina” “agressiva” “ intimidante”
a atrelado a estas qualidades vem muitas vezes a falta de atração. Por alguma
razão (vá-se lá saber porque!) alguns homens são muito sensíveis ao facto de
que ter uma mulher forte do seu lado lhes recorde constantemente das suas próprias
fraquezas.
Mas essencialmente são as próprias mulheres que rejeitam estas
características na outra, denigrem-na “assim nunca vai arranjar ninguém”, " Estranho com a sua idade ainda não ter filhos, deve ter um feitio tramado" bisbilhotam. Aí é que vemos onde está o verdadeiro problema, os preconceitos de género encontram-se tão
camuflados na nossa cultura que temos de pensar duas vezes antes de conseguir
reconhecê-los. E é então quando as oprimidas se tornam cúmplices da sua própria opressão...
Dar de caras com a liberdade deixa-as apavoradas.
Obsessão. Um. Dois. Três. E volta. Não larga. Consome.
Perfura. Tira. Arranca. Sacode. Dói.
Dói tanto. Uma, atrás de outra. Assolando com tudo o que
encontra no seu caminho. Cosendo um pano opaco que cobre a realidade aos
poucos, levando o seu tempo.
De repente sinto um toque no braço, sinto a luz do sol a
contrair as minhas pupilas. Estou viva, assustada, confusa. Não é aqui que
quero estar. Volto.
Ali sou forte, determinada, sedutora. Ali luto, insisto e
até ganho.
Ali, sou feliz.